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Foto do escritorLai Caetano

TÁR: o filme feito para premiar Cate Blanchett

Este é um filme do diretor Todd Field, protagonizado por Cate Blanchett, que estreia essa semana no Brasil. TÁR conta a história de uma personagem fictícia, Lydia Tár, regente da orquestra sinfônica de Berlim.


O início do filme já é bem curioso, pela decisão em mostrar os créditos na introdução. Talvez seja esse um recurso para ditar o ritmo do que iremos assistir pelas próximas horas.

Seria esse “o” filme da carreira de Cate Blanchett?

Antes de assistir o filme, eu já tinha lido que esse papel havia sido criado unicamente para ser interpretado por Cate Blanchett, atriz renomada que já foi premiada pela academia, além de muito versátil interpretando personagens femininas fortes. Conseguimos perceber a razão dessa escolha logo no início do filme. 

Uma das primeiras cenas, antes dela iniciar uma entrevista com a platéia, o entrevistador faz a sua apresentação para o público mas passa um bom tempo elencando todas as suas conquistas e qualificações antes de ser dada a ela a palavra. Há uma tensão sendo construída, na medida que dá a entender que é um momento que parece não acabar nunca, ao passo que também percebemos o desconforto da personagem que não tem não é movida por vaidades mas sim por várias outras coisas. Tár está tensa mesmo antes da entrevista, se notarmos bem a sua expressão corporal mostrada poucos segundos antes dela subir ao palco.

One Indelible Scene: The Master Class in Ambiguity in 'Tár' - The New York  Times

Outra cena que me marcou bastante foi a da escola Juilliard, em que Tár está dando aula para uma pequena turma de alunos que desejam se tornar regentes um dia. Apesar de estar pagando um “favor” que devia, pois veja bem, ela já é uma recente brilhante e renomada, Tár parece abraçar a sala de aula. 

Assim, ela é bem dura nas palavras ao tentar demonstrar para os alunos que eles precisam não apenas reproduzir o que tem uma partitura, mas também precisam colocar alma, um toque pessoal, naquilo que eles estão transmitindo para a orquestra. Tár é tão rígida com os alunos, exigindo que eles deixem de lado quem são para perseguir a alma da música que será interpretada, que desencadeia em algumas situações de confronto. Todavia, nesse ambiente acadêmico é onde vemos pela primeira vez Tár ser confrontada, escutando coisas que ela não gostaria de ter ouvido, ou que normalmente todos à sua volta tem receio em falar.

De fato, a atuação de Cate Blanchett é inquestionavelmente fenomenal. Sua personagem sustenta e conduz tudo o que passa no filme, é praticamente uma história em primeira pessoa em que quase todas as cenas tem a presença da protagonista. E não é cansativo passarmos tanto tempo perto de Tár.

A personagem é uma luz que nos guia por toda a história e sem o brilhantismo de Blanchett dificilmente teríamos a mesma sensação. Lydia Tár está não está ali para ser amada por nós, nem para ser compreendida ou roubar nossa compaixão. Tár está ali para que pousemos os nossos olhos sobre ela para acompanharmos um pouco da sua jornada, vermos suas ambições serem desenhadas. Tár, porém, não liga se ela está fazendo bem ou não alguém se ela está passando do sentimento das pessoas. Ela não está sendo uma pessoa legal por simplesmente ser legal. É uma das minhas favoritas ao Oscar. 

As mulheres em Tár

Chamou a minha atenção que no filme, as relações de amor, confiança, amizade, raiva e nojo de Lydia são com mulheres. Ela é uma mulher lésbica com o casamento estável e tem uma filha adotiva. Ela também possui sua assistente e começa a ter a sua atenção voltada para uma jovem violoncelista que entra para orquestra. Um dos personagens que faz com que Lídia comece a entrar em colapso, também é uma mulher. Quando ela tem problemas com a vizinhança, são também personagens mulheres.

TÁR - Film - Luna Cinemas

Daí é interessante, porque apesar de ser um filme dirigido por escrito por um homem, aqui ,temos vários tipos de relações em vários níveis diferentes sendo construídos em núcleos formados por mulheres, e vez ou outra personagens masculinos entram em cena de forma coadjuvante, para servir de âncora para o desenvolvimento da história de Tár, como por exemplo Andris (Julian Glover), o mentor e regente antecessor ou o ambicioso Eliot (Mark Strong).  É uma elegante inversão de papéis daquilo que usualmente estamos acostumados a ver nos cinemas, e o papel que mulheres exercem ao ocupar funções que são costumeiramente atribuídas a homens é objeto de algumas alfinetadas da personagem.

O desconforto em Tár

Tár - Official Trailer | IMDb

Desconforto, aliás, é uma palavra que descreve bem tudo aquilo que sentimos durante todo o filme. Explico.

Primeiro, sobre quem é Lydia Tár em relação a ela mesma. É uma pessoa aparentemente perfeccionista, brilhante, com certa obsessão por estar sempre asseada. É ambiciosa, egocêntrica e coloca sempre seus desejos à frente de qualquer outra coisa, brincando sempre com o poder que tem sobre a orquestra. Não liga muito para aparência, pois o cabelo está sempre levemente desarrumado e usa tons neutros para suas largas roupas. Sua forma de vestir, inclusive, tem a intenção de passar conforto e descontração, mas a própria personagem sabe que ela não é assim.

Quem é Tár em relação às pessoas que estão a sua volta? Isso pode ser respondido por meio de três personagens.

Um dos primeiros olhares que temos de terceiros sobre Tár vem de uma personagem misteriosa que, apesar de ser pouco falada durante a história, afeta muito a protagonista por coisas que acabamos supondo ao longo do filme. Fique atento à uma ruiva na plateia durante a entrevista.

Francesca (Noémie Merlant) é tão doce e dedicada, mas tão invisível para sua chefe, que quando descobrimos seus talentos, até nos espantamos e questionamos o motivo de uma pessoa daquelas estar se sujeitando àquele tipo de trabalho. A resposta acaba vindo automaticamente: Tár é brilhante, e muitas pessoas fariam de tudo para cair nas graças de alguém como ela.

Por fim, só para focar em personagens importantes para a trama, vale também prestar atenção na esposa Sharon (Nina HOss), a violinista principal da orquestra, que é muito dedicada ao seu trabalho e seu papel na família que está construindo ao lado de Tár. Ela está sempre procurando fazer o seu melhor entre crises outras talvez de ansiedade, estresses cotidianos e a pressão do trabalho. Essa esposa defende Tár em tudo, mesmo sabendo dos problemas de sua companheira, mas ainda assim está lá pronta para ficar ao lado da esposa. Essa serenidade no olhar de Sharon nos diz que ali existe uma relação de tolerância entre todos os problemas que envolvem tar e a necessidade dela manter essa família unida e existente porque ela ama essa família apesar de tudo.

Vale a pena assistir Tár?

Acredito que vale sim a pena ir no cinema para assistir esse filme, só que eu preciso fazer algumas ressalvas pois talvez não vá ser um filme que agrade todo mundo.

Tár é um filme sobretudo lento, em que a história é contada não só por meio das narrativas auditivas e das relações entre personagens, mas também por meio da forma de vestir da protagonista e de alguns efeitos sonoros bem interessantes, como barulhos que se repetem incansavelmente na nossa cabeça ou pelo mundo. Tudo isso ajuda a contar a real história da personagem, que basicamente consiste numa história sobre queda e sobre até onde alguém como Tár pode ir, sem perder a sua dignidade ou sem deixar de fazer o que ama. Pois é no palco que Tár se encontra e é quem ela realmente está destinada a ser, não importa onde seja esse palco.

Também, ao meu ver, esse é um filme que acaba sendo demasiadamente extenso talvez. Mas isso não quer dizer que as cenas são malfeitas o mal construídas. Pra mim algumas cenas não precisavam se quer ter existido, ao passo que outras são essenciais para construção da personagem como, a cena da escola de Julliard , a cena da entrevista, e a cena do gueto. 

Ainda assim, vale a pena conferir isso nos cinemas.

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