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Sonic Origins Plus: O Advento do Ouriço Mais Famoso dos Jogos

Quando criança, meu primeiro videogame foi um Mega Drive III. Eu queria um Super Nintendo, mas o videogame da SEGA era mais barato e a grana dos meus pais era bem curta. Quando o Mega Drive chegou, comprado no carnê em inúmeras prestações, foi uma festa enorme lá em casa. Infelizmente, eu não tinha dinheiro para alugar cartuchos. Eu nem ao menos tinha amigos ou parentes com um Mega Drive para me emprestar/trocar jogos (todo mundo tinha Super Nintendo e alguns mais abastados um Playstation). Felizmente, o meu Mega veio com um cartucho com 10 jogos, quase todos ótimos, e os joguei até decorar cada detalhe de cada um deles.

O melhor de todos era Sonic The Hedgehog. Eu amava o ouriço com toda minha devoção infantil. Minha mãe comprou uma sandália do Sonic que acendia luzes na sola, e eu corria o dia inteiro com ela. Muitos anos depois, quando eu já era adulto, mostrei pra minha mãe o trailer de Sonic Generations. Ela perguntou se não podia comprar para mim, e zerei o jogo do lado dela. Quando eu era criança, minha mãe trabalhava em casa lavando roupas, e ver eu e meu irmão jogando Sonic era uma lembrança muito querida dela.

É difícil explicar o que o Sonic representava na época. Jogos de fliperama eram o ápice de visual dos jogos. Depois da catequeese eu ficava olhando o pessoal jogando os fliperamas em um barzinho da praça, jogos lindos como X-Men vs Street Fighter ou The King of Dragons. Sonic era (quase) tão lindo e rápido quanto os jogos de fliperama, mas dava para jogar em casa.

Jogos de plataforma com mascotes em 2D são hoje em dia uma relíquia, algo do passado, revistos e cultuados em jogos indies, mas longe dos grandes holofotes. Escapa disso só o Mario, que ainda surfa na onda do sucesso dos seus jogos antigos e mantém quase um monopólio cultural destes jogos 2D. Há jogos incríveis de plataforma 2D, como Rayman e Cuphead, mas eles não movimentam o dinheiro nem geram a começão que Mario gera.

Hoje é difícil imaginar, mas Sonic era o grande rival do bigodudo. E, quando foi lançado, Sonic The Hedgehog era O jogo para videogame. O ápice de tecnologia. Era o Elden Rings, o Assassin’s Creed Valhala, o Red Dead Redemption II de sua época. Eu tinha muita inveja de quem podia jogar Super Mario World, mas já na época conseguia ver que os jogos do Sonic eram mais rápidos e mais estilosos. E, veja bem, eu já sentia que Super Mario World era um jogo melhor, mas Sonic era mais deslumbrante.

Um dos raros colegas de escola que tinha um Mega Drive me emprestou Sonic the Hedgehog 2 algumas vezes, e eu e meu irmão ficamos encantados. O Tails! Jogar com duas pessoas! Sonic the Hedgehog 3? Nunca vi em cartucho. Sonic & Knuckles? Na época eu nem sabia que este jogo existia. Não tinha dinheiro para comprar revistas de videogame, a única fonte de informação sobre jogos.

Eu vim a jogá-los depois, claro: em emuladores, nas diversas coletâneas lançadas para tudo (algumas eram péssimas) e nos ports para Android, mas a nostalgia bate forte só pelos dois primeiros. De vez em quando pego algum para zerar, normalmente o 1 ou o 2. Vou jogando sem pensar, só para passar o tempo. Sempre mantive um olho na franquia, mesmo que muitas vezes só a visse de longe. Zerei Sonic Mania, Sonic Origins, Sonic 4 Episode 1, e joguei um bocado de vários outros.

A franquia foi se dividindo em dois caminhos: os jogos 2D, com o Sonic gordinho, e os jogos 3D, com o Sonic magrinho. A qualidade de muitos dos jogos do Sonic que vieram depois do Mega Drive (e até no Mega Drive, vide o Sonic 3D Blast) é questionável, mas Sonic nunca saiu da moda e nunca deixou de vender. Os jogos do Mario são melhores e mais variados, mas o Mario é uma mascote mais difícil das crianças amarem. É um italiano bigodudo, embora em alguns jogos ele pareça uma criança bigoduda. O Sonic é radical e tem presença em jogos, desenhos, quadrinhos e filmes. Mario ainda engatinha no multimídia, e precisava de bons jogos para continuar relevante (e tem). O Sonic só precisa de atitude. Além disso, os jogos do Mario sempre me pareceram mais difíceis, em especial para crianças pequeninas. Sonic sempre fez mais sucesso com minhas afilhadas e primos.

A SEGA lançou ano passado Sonic Origins, em comemoração aos 30 anos da franquia, uma compilação incluindo Sonic 1 a 3 + Knuckles, o Sonic CD e muitos extras. Acabei pegando, jogando e, quando vi, tinha zerado todos menos o Sonic CD (que é bem ruim). A experiência foi interessante. Agora, dia 23 de junho, ela lançou o Sonic Origins Plus, uma DLC que adiciona a Amy Rose como personagem jogável e 12 jogos da franquia Sonic para Game Gear.

Os jogos de Mega Drive do Sonic Origins não são emulados, e sim reconstruídos. A SEGA tem uma relação muito boa com fãs de jogos e emuladores, e vários desenvolvedores criam jogos novos do Sonic ou modificam jogos antigos. Um desses fãs programadores é o Christian Whitehead. Whitehead foi o principal designer de Sonic Mania e criou a engine do jogo, a Retro Engine, e a mesma engine foi usada para os jogos de Sonic Origins. Esta opção, embora mais trabalhosa, dá mais liberdade para que os jogos sejam modificados. Assim, fica mais fácil adicionar movimentos e personagens novos, alterar as proporções e resoluções, mudar as músicas e muito mais.

Claro que uma parte considerável das pessoas que compram Sonic Origins quer os jogos exatamente como eram no seu Mega Drive. Como é difícil agradar a gregos e troianos, a SEGA criou dois modos de cada jogo, selecionáveis a partir do menu. O primeiro se chama Anniversary Mode: nela, os jogos rodam no formato 16:9 (mais retangular, como nas TVs atuais), as vidas são infinitas e dá para tentar jogar novamente nas fases especiais caso não consigamos pegar as Esmeraldas do Caos. Já o segundo é o Classic Mode, onde o jogo roda na proporção 4:3 (quadrado, como nas TVs antigas de tubo), com o sistema de vidas e continues do Mega Drive.

Há muitas melhorias em comum em ambos os modos. Em ambos as fases especiais rodam numa resolução maior e de maneira mais fluida (o que é muito importante no Sonic the Hedgehog 2). Ambos os modos adicionam personagens e movimentos de outros jogos. Quer jogar com o Tails no primeiro Sonic? Você pode. Quer usar aquela acelerada marota introduzida no Sonic 2 no primeiro Sonic? Idem.

Qual é o melhor jeito de jogar? Para mim, não há dúvidas: é o Anniversary Mode. O formato 16:9 permita que eu veja mais do jogo (bem importante quando se está indo rápido) e vidas e continues não são mais uma ideia tão legal em 2022 quanto eram em 1991. Quem for mais conservador pode jogar o modo Classic.

Há também um boss rush, onde você pode enfrentar os chefes um depois do outro. Há um museu com imagens conceituais e um jukebox com músicas. Eu sempre achei muito estranho ligar um jogo para ouvir músicas, mas vai do gosto do freguês. Falando em músicas, todas as músicas do jogo foram remasterizadas e soam límpidas, mas algumas músicas de Sonic the Hedgehog 3 foram alteradas. Isto provavelmente se deve a um problema de direitos autorais, já que as músicas trocadas foram criadas em colaboração com Michael Jackson. As músicas novas (feitas com base em protótipos de músicas antigas) parecem não ter agradado tanto. Eu ouvi uma comparação e, apesar de preferir as músicas originais, achei algumas novas muito boas. Infelizmente algumas soam abafadas, como se tocassem em uma caixinha de som debaixo de um colchão.

Além disso, há um modo história, onde você joga os jogos em ordem cronológica e com lindas animações adicionais. É o melhor jeito de aproveitá-los.

Há uns tempos atrás a moda para jogar jogos antigos era “pixel perfect”, a emulação que mostra os pixels como quadriláteros. Hoje em dia, parece que a moda são distorções que tentam copiar os efeitos das antigas TVs de tubo. Sonic Mania dá a opção de escolher entre estes dois modos e personalizar os filtros de TVs de tubo (CRT) utilizados. Sonic Origins apresenta um modo só, um filtro de TV de tubo leve. Eu gostei do resultado, mas preferia ter as mesmas opções do Sonic Mania. Dá para utilizá-las no Windows a partir de um mod, mas quem joga em videogames (meu caso) ficou na mão.

A recriação dos Sonic deixou suas causalidades. No lançamento, o detector de colisões estava mais cruel que nas versões originais dos jogos. É muito mais fácil morrer esmagado, e estas são as mortes mais estúpidas e frustrantes dos jogos, o que tornava algumas fases um suplício maior que no original (estou olhando para você, Carnival Night Zone). Isto parece ter sido corrigido no Plus, mas fico pensando se não seria melhor arrumar um jeito de evitar estas mortes.

Bem, toda essa falação sobre a parte técnica é a ponta de um iceberg profundo de todas as alterações feitas nos jogos. Animações, cores, efeitos, etc também foram atualizados, mas isso interessa mais aos fãs xiitas, que podem procurar informações detalhadas sobre tudo isso em locais especializados. Provavelmente já procuraram.

Já falei da minha relação com a franquia, das mudanças, da parte técnica, mas não falei dos jogos. Os jogos do Sonic são alguns dos jogos mais famosos já feitos e, ao mesmo tempo, não são tão bons assim.

O grande problema é que os jogos do Sonic sofrem de profunda crise de identidade. Eles querem ser, ao mesmo tempo, duas coisas distintas, por vezes contraditórias. Sonic é uma personagem radical, rápida, ágil. A velocidade é sempre exaltada. Ao mesmo tempo, o jogo pede que você explore, em especial no Sonic 3 e Sonic & Knuckles, onde as esmeraldas do caos estão em portais escondidos pela fase. Passe tudo rápido demais e você não vai conseguir os finais bons. Além disso, é comum estar correndo e bater em um inimigo ou obstáculo que não daria para ver a tempo nesta velocidade, de modo que o jogo te pune por estar indo rápido demais.

As fases de bônus são outro bom exemplo disso dessa crise de personalidade. Na fase bônus do primeiro jogo, a movimentação do Sonic fica fortemente limitada, e a agilidade do ouriço não importa. Na fase bônus do segundo jogo Sonic é rápido, mas a fase é péssima: depende muito de memorização. Nas fases de Sonic 3 e de Sonic & Knuckles quando mais rápido você vai, mais difícil é conclui-las, ou passar direto pela linha de chegada e não conseguir pegar entrar na fase especial para pegar a esmeralda do caos. A velocidade, que é o grande atrativo de Sonic, se torna um grande problema.

Por causa disso, os jogos do Sonic ficam melhores quando mais você os joga. Você vai decorando os caminhos, as estratégias, a velocidade necessária. Quando você já morreu algumas vezes na mesma armadilha e já consegue desviar delas sem sequer pensar no que está fazendo. Sonic é rápido demais para poder ser jogado na velocidade que ele merece sem que o jogador tenha decorado o caminho. Jogar o mesmo jogo várias vezes é um conceito meio estranho. Até há jogos focados nisso, mas normalmente eles têm colecionáveis ou são roguelikes: o jogo nunca é o mesmo, cada partida é randomizada. Jogar o mesmo jogo várias e várias vezes não era tão incomum assim nos anos 90, quando tínhamos poucos cartuchos em casa, e assim não dá para comparar a minha experiência de jogador veterano com quem vai jogar os jogos do Sonic pela primeira vez.

Outro contraste estranho se aplica ao Super Sonic, uma forma dourada e poderosa capaz de voar, mais rápida e invulnerável. Para obtê-la Sonic precisa conseguir todas as esmeraldas do caos, uma tarefa nada simples nos jogos originais. Jogar com o Super Sonic é uma delícia, mas é irônico que o prêmio por ser bom seja liberar uma forma do personagem que deixa o jogo mais fácil. Nos jogos do Mario, por exemplo, jogar bem normalmente libera um mundo secreto bem mais difícil que o normal. Ser bom te dá a oportunidade de tentar ser ainda melhor. Aqui, ser bom te dá a oportunidade de jogar uma versão mais fácil do jogo. Você tem um visual mais radical, mas deixa o jogo mais tedioso.

Os jogos feitos para Game Gear são um milagre técnico só por existirem. O portátil da SEGA comia pilhas com a mesma velocidade com que o Sonic corre, mas poder jogar um jogo (colorido!) em qualquer lugar na época parecia ficção científica. Nesta coleção, parecem ser realmente um bônus. São apenas emulados, e não reconstruídos. Ficam até um pouco escondidos no menu. Dizem que há jogos muito bons, como o do Tails. Eu não os joguei ainda, e não sei se pretendo. Não dá para negar que a graça da coleção são os jogos de Mega Drive, mas sempre fico feliz quando qualquer empresa contribui para a preservação de jogos antigos.

Para quem essa coleção se destina? Não sei. Sonic Mania é um jogo 2D melhor. Os Sonics 3D, como o recente Sonic Frontier, são muito mais chamativos para as crianças. Há alterações demais para ser histórico, mas as alterações são tímidas demais para modernizar todos os problemas do próprio conceito destes jogos. Talvez se destine a adultos saudosistas, que já compraram e zeraram estes jogos em inúmeras coleções. Talvez se destine a crianças estranhas, que ficam fascinadas pelo que veio antes delas. Eu sou um, e já fui outro. Talvez você seja também, ou tenha um filho ou filha que é.

A geração dos 16 bits foi o ápice dos jogos de plataforma, e o ápice dos jogos 2D antes que o 3D fosse o padrão. O que não quer dizer que jogos ainda melhores não foram lançados desde então, sejam de plataforma ou 2D, mas eles nunca mais serão o ápice dos comentários, das expectativas e das adorações dos jogadores. Sonic continua sendo amado por crianças e por adultos, pelas viúvas da SEGA e por furries, por fãs de bons jogos, e dá para ver os motivos nesta coletânea.

O jeito ideal de jogar Sonic, para mim, vai sempre ser sendo uma criança no meio dos anos 90, logo depois de fazer o dever de casa e antes da janta ficar pronta. Infelizmente, não dá para replicar isso, mas Sonic Origins Plus é o mais próximo que já chegamos. Os jogos estão atualizados para superar alguns paradigmas ultrapassados da época, como as vidas limitadas e o visual 4:3 em um jogo rápido. A experiência de jogá-los nesta coletânea pode não ser a mais pura, mas é a mais bonita e divertida.

Quando criança, meu primeiro videogame foi um Mega Drive III. Eu queria um Super Nintendo, mas o videogame da SEGA era mais barato e a grana dos meus pais era bem curta. Quando o Mega Drive chegou, comprado no carnê em inúmeras prestações, foi uma festa enorme lá em casa. Infelizmente, eu não tinha dinheiro para alugar cartuchos. Eu nem ao menos tinha amigos ou parentes com um Mega Drive para me emprestar/trocar jogos (todo mundo tinha Super Nintendo e alguns mais abastados um Playstation). Felizmente, o meu Mega veio com um cartucho com 10 jogos, quase todos ótimos, e os joguei até decorar cada detalhe de cada um deles.

O melhor de todos era Sonic The Hedgehog. Eu amava o ouriço com toda minha devoção infantil. Minha mãe comprou uma sandália do Sonic que acendia luzes na sola, e eu corria o dia inteiro com ela. Muitos anos depois, quando eu já era adulto, mostrei pra minha mãe o trailer de Sonic Generations. Ela perguntou se não podia comprar para mim, e zerei o jogo do lado dela. Quando eu era criança, minha mãe trabalhava em casa lavando roupas, e ver eu e meu irmão jogando Sonic era uma lembrança muito querida dela.

É difícil explicar o que o Sonic representava na época. Jogos de fliperama eram o ápice de visual dos jogos. Depois da catequeese eu ficava olhando o pessoal jogando os fliperamas em um barzinho da praça, jogos lindos como X-Men vs Street Fighter ou The King of Dragons. Sonic era (quase) tão lindo e rápido quanto os jogos de fliperama, mas dava para jogar em casa.

Jogos de plataforma com mascotes em 2D são hoje em dia uma relíquia, algo do passado, revistos e cultuados em jogos indies, mas longe dos grandes holofotes. Escapa disso só o Mario, que ainda surfa na onda do sucesso dos seus jogos antigos e mantém quase um monopólio cultural destes jogos 2D. Há jogos incríveis de plataforma 2D, como Rayman e Cuphead, mas eles não movimentam o dinheiro nem geram a começão que Mario gera.

Hoje é difícil imaginar, mas Sonic era o grande rival do bigodudo. E, quando foi lançado, Sonic The Hedgehog era O jogo para videogame. O ápice de tecnologia. Era o Elden Rings, o Assassin’s Creed Valhala, o Red Dead Redemption II de sua época. Eu tinha muita inveja de quem podia jogar Super Mario World, mas já na época conseguia ver que os jogos do Sonic eram mais rápidos e mais estilosos. E, veja bem, eu já sentia que Super Mario World era um jogo melhor, mas Sonic era mais deslumbrante.

Um dos raros colegas de escola que tinha um Mega Drive me emprestou Sonic the Hedgehog 2 algumas vezes, e eu e meu irmão ficamos encantados. O Tails! Jogar com duas pessoas! Sonic the Hedgehog 3? Nunca vi em cartucho. Sonic & Knuckles? Na época eu nem sabia que este jogo existia. Não tinha dinheiro para comprar revistas de videogame, a única fonte de informação sobre jogos.

Eu vim a jogá-los depois, claro: em emuladores, nas diversas coletâneas lançadas para tudo (algumas eram péssimas) e nos ports para Android, mas a nostalgia bate forte só pelos dois primeiros. De vez em quando pego algum para zerar, normalmente o 1 ou o 2. Vou jogando sem pensar, só para passar o tempo. Sempre mantive um olho na franquia, mesmo que muitas vezes só a visse de longe.  Zerei Sonic Mania, Sonic Origins, Sonic 4 Episode 1, e joguei um bocado de vários outros.

A franquia foi se dividindo em dois caminhos: os jogos 2D, com o Sonic gordinho, e os jogos 3D, com o Sonic magrinho. A qualidade de muitos dos jogos do Sonic que vieram depois do Mega Drive (e até no Mega Drive, vide o Sonic 3D Blast) é questionável, mas Sonic nunca saiu da moda e nunca deixou de vender. Os jogos do Mario são melhores e mais variados, mas o Mario é uma mascote mais difícil das crianças amarem. É um italiano bigodudo, embora em alguns jogos ele pareça uma criança bigoduda. O Sonic é radical e tem presença em jogos, desenhos, quadrinhos e filmes. Mario ainda engatinha no multimídia, e precisava de bons jogos para continuar relevante (e tem). O Sonic só precisa de atitude. Além disso, os jogos do Mario sempre me pareceram mais difíceis, em especial para crianças pequeninas. Sonic sempre fez mais sucesso com minhas afilhadas e primos.

A SEGA lançou ano passado Sonic Origins, em comemoração aos 30 anos da franquia, uma compilação incluindo Sonic 1 a 3 + Knuckles, o Sonic CD e muitos extras. Acabei pegando, jogando e, quando vi, tinha zerado todos menos o Sonic CD (que é bem ruim). A experiência foi interessante. Agora, dia 23 de junho, ela lançou o Sonic Origins Plus, uma DLC que adiciona a Amy Rose como personagem jogável e 12 jogos da franquia Sonic para Game Gear.

Os jogos de Mega Drive do Sonic Origins não foram emulados, e sim reconstruídos. A SEGA tem uma relação muito boa com fãs de jogos e emuladores, e vários desenvolvedores criam jogos novos do Sonic ou modificam jogos antigos. Um desses fãs programadores é o Christian Whitehead. Whitehead foi o principal designer de Sonic Mania e criou a engine do jogo, a Retro Engine, e a mesma engine foi usada para os jogos de Sonic Origins. Esta opção, embora mais trabalhosa, dá mais liberdade para que os jogos sejam modificados. Assim, fica mais fácil adicionar movimentos e personagens novos, alterar as proporções e resoluções, mudar as músicas e muito mais.

Claro que uma parte considerável das pessoas que compram Sonic Origins quer os jogos exatamente como eram no seu Mega Drive. Como é difícil agradar a gregos e troianos, a SEGA criou dois modos de cada jogo, selecionáveis a partir do menu. O primeiro se chama Anniversary Mode: nela, os jogos rodam no formato 16:9 (mais retangular, como nas TVs atuais), as vidas são infinitas e dá para tentar jogar novamente nas fases especiais caso não consigamos pegar as Esmeraldas do Caos. Já o segundo é o Classic Mode, onde o jogo roda na proporção 4:3 (quadrado, como nas TVs antigas de tubo), com o sistema de vidas e continues do Mega Drive.

Há muitas melhorias em comum em ambos os modos. Em ambos as fases especiais rodam numa resolução maior e de maneira mais fluida (o que é muito importante no Sonic the Hedgehog 2). Ambos os modos adicionam personagens e movimentos de outros jogos. Quer jogar com o Tails no primeiro Sonic? Você pode. Quer usar aquela acelerada marota introduzida no Sonic 2 no primeiro Sonic? Idem.

Qual é o melhor jeito de jogar? Para mim, não há dúvidas: é o Anniversary Mode. O formato 16:9 permita que eu veja mais do jogo (bem importante quando se está indo rápido) e vidas e continues não são mais uma ideia tão legal em 2022 quanto eram em 1991. Quem for mais conservador pode jogar o modo Classic.

Há também um boss rush, onde você pode enfrentar os chefes um depois do outro. Há um museu com imagens conceituais e um jukebox com músicas. Eu sempre achei muito estranho ligar um jogo para ouvir músicas, mas vai do gosto do freguês. Falando em músicas, todas as músicas do jogo foram remasterizadas e soam límpidas, mas algumas músicas de Sonic the Hedgehog 3 foram alteradas. Isto provavelmente se deve a um problema de direitos autorais, já que as músicas trocadas foram criadas em colaboração com Michael Jackson. As músicas novas (feitas com base em protótipos de músicas antigas) parecem não ter agradado tanto. Eu ouvi uma comparação e, apesar de preferir as músicas originais, achei algumas novas muito boas. Infelizmente algumas soam abafadas, como se tocassem em uma caixinha de som debaixo de um colchão.

Além disso, há um modo história, onde você joga os jogos em ordem cronológica e com lindas animações adicionais. É o melhor jeito de aproveitá-los.

Há uns tempos atrás a moda para jogar jogos antigos era “pixel perfect”, a emulação que mostra os pixels como quadriláteros. Hoje em dia, parece que a moda são distorções que tentam copiar os efeitos das antigas TVs de tubo. Sonic Mania dá a opção de escolher entre estes dois modos e personalizar os filtros de TVs de tubo (CRT) utilizados. Sonic Origins apresenta um modo só, um filtro de TV de tubo leve. Eu gostei do resultado, mas preferia ter as mesmas opções do Sonic Mania. Dá para utilizá-las no Windows a partir de um mod, mas quem joga em videogames (meu caso) ficou na mão.

A recriação dos Sonic deixou suas causalidades. No lançamento, o detector de colisões estava mais cruel que nas versões originais dos jogos. É muito mais fácil morrer esmagado, e estas são as mortes mais estúpidas e frustrantes dos jogos, o que tornava algumas fases um suplício maior que no original (estou olhando para você, Carnival Night Zone). Isto parece ter sido corrigido no Plus, mas fico pensando se não seria melhor arrumar um jeito de evitar estas mortes.

Bem, toda essa falação sobre a parte técnica é a ponta de um iceberg profundo de todas as alterações feitas nos jogos. Animações, cores, efeitos, etc também foram atualizados, mas isso interessa mais aos fãs xiitas, que podem procurar informações detalhadas sobre tudo isso em locais especializados. Provavelmente já procuraram.

Já falei da minha relação com a franquia, das mudanças, da parte técnica, mas não falei dos jogos. Os jogos do Sonic são alguns dos jogos mais famosos já feitos e, ao mesmo tempo, não são tão bons assim.

O grande problema é que os jogos do Sonic sofrem de profunda crise de identidade. Eles querem ser, ao mesmo tempo, duas coisas distintas, por vezes contraditórias. Sonic é uma personagem radical, rápida, ágil. A velocidade é sempre exaltada. Ao mesmo tempo, o jogo pede que você explore, em especial no Sonic 3 e Sonic & Knuckles, onde as esmeraldas do caos estão em portais escondidos pela fase. Passe tudo rápido demais e você não vai conseguir os finais bons. Além disso, é comum estar correndo e bater em um inimigo ou obstáculo que não daria para ver a tempo nesta velocidade, de modo que o jogo te pune por estar indo rápido demais.

As fases de bônus são outro bom exemplo disso dessa crise de personalidade. Na fase bônus do primeiro jogo, a movimentação do Sonic fica fortemente limitada, e a agilidade do ouriço não importa. Na fase bônus do segundo jogo Sonic é rápido, mas a fase é péssima: depende muito de memorização. Nas fases de Sonic 3 e de Sonic & Knuckles quando mais rápido você vai, mais difícil é conclui-las, ou passar direto pela linha de chegada e não conseguir pegar entrar na fase especial para pegar a esmeralda do caos. A velocidade, que é o grande atrativo de Sonic, se torna um grande problema.

Por causa disso, os jogos do Sonic ficam melhores quando mais você os joga. Você vai decorando os caminhos, as estratégias, a velocidade necessária. Quando você já morreu algumas vezes na mesma armadilha e já consegue desviar delas sem sequer pensar no que está fazendo. Sonic é rápido demais para poder ser jogado na velocidade que ele merece sem que o jogador tenha decorado o caminho. Jogar o mesmo jogo várias vezes é um conceito meio estranho. Até há jogos focados nisso, mas normalmente eles têm colecionáveis ou são roguelikes: o jogo nunca é o mesmo, cada partida é randomizada. Jogar o mesmo jogo várias e várias vezes não era tão incomum assim nos anos 90, quando tínhamos poucos cartuchos em casa, e assim não dá para comparar a minha experiência de jogador veterano com quem vai jogar os jogos do Sonic pela primeira vez.

Outro contraste estranho se aplica ao Super Sonic, uma forma dourada e poderosa capaz de voar, mais rápida e invulnerável. Para obtê-la Sonic precisa conseguir todas as esmeraldas do caos, uma tarefa nada simples nos jogos originais. Jogar com o Super Sonic é uma delícia, mas é irônico que o prêmio por ser bom seja liberar uma forma do personagem que deixa o jogo mais fácil. Nos jogos do Mario, por exemplo, jogar bem normalmente libera um mundo secreto bem mais difícil que o normal. Ser bom te dá a oportunidade de tentar ser ainda melhor. Aqui, ser bom te dá a oportunidade de jogar uma versão mais fácil do jogo. Você tem um visual mais radical, mas deixa o jogo mais tedioso.

Os jogos feitos para Game Gear são um milagre técnico só por existirem. O portátil da SEGA comia pilhas com a mesma velocidade com que o Sonic corre, mas poder jogar um jogo (colorido!) em qualquer lugar na época parecia ficção científica. Nesta coleção, parecem ser realmente um bônus. São apenas emulados, e não reconstruídos. Ficam até um pouco escondidos no menu. Dizem que há jogos muito bons, como o do Tails. Eu não os joguei ainda, e não sei se pretendo. Não dá para negar que a graça da coleção são os jogos de Mega Drive, mas sempre fico feliz quando qualquer empresa contribui para a preservação de jogos antigos.

Para quem essa coleção se destina? Não sei. Sonic Mania é um jogo 2D melhor. Os Sonics 3D, como o recente Sonic Frontier, são muito mais chamativos para as crianças. Há alterações demais para ser histórico, mas as alterações são tímidas demais para modernizar todos os problemas do próprio conceito destes jogos. Talvez se destine a adultos saudosistas, que já compraram e zeraram estes jogos em inúmeras coleções. Talvez se destine a crianças estranhas, que ficam fascinadas pelo que veio antes delas. Eu sou um, e já fui outro. Talvez você seja também, ou tenha um filho ou filha que é.

A geração dos 16 bits foi o ápice dos jogos de plataforma, e o ápice dos jogos 2D antes que o 3D fosse o padrão. O que não quer dizer que jogos ainda melhores não foram lançados desde então, sejam de plataforma ou 2D, mas eles nunca mais serão o ápice dos comentários, das expectativas e das adorações dos jogadores. Sonic continua sendo amado por crianças e por adultos, pelas viúvas da SEGA e por furries, por fãs de bons jogos, e dá para ver os motivos nesta coletânea.

O jeito ideal de jogar Sonic, para mim, vai sempre ser sendo uma criança no meio dos anos 90, logo depois de fazer o dever de casa e antes da janta ficar pronta. Infelizmente, não dá para replicar isso, mas Sonic Origins Plus é o mais próximo que já chegamos. Os jogos estão atualizados para superar alguns paradigmas ultrapassados da época, como as vidas limitadas e o visual 4:3 em um jogo rápido. A experiência de jogá-los nesta coletânea pode não ser a mais pura, mas é a mais bonita e divertida.

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