De vez em quando um anime fica preso entre o sucesso e o esquecimento. Ele nunca será um dos grandes nomes shonen da Jump que estampam camisas mundo afora, como Dragon Ball e Naruto nem um desses animes cultuados que até quem não é fã de anime sabe que existe, como Cowboy Bebop. Só que ele nunca será desses animes fastfood de temporada, que consumimos aos montes mas são tão genéricos que não lembramos nada deles umas duas semanas depois.
O tímido Oddtaxi fica no meio do caminho, sendo daqueles animes que geram conversas interessantes, que sempre recomendamos quando alguém pede por algo diferente. Kino no Tabi (o primeiro) é assim, Death Parade também. Dá para ver que Oddtaxi está em excelente companhia. Foi adaptado de um mangá de apenas 2 volumes, escrito por Kazuya Konomoto e ilustrado por Takeichi Abaraya. Como o anime já saiu faz alguns meses e o mangá ainda não foi anunciado, creio que não chegará ao nosso país. Uma pena. Felizmente o anime está disponível no Crunchyroll.

Odokawa, o protagonista, não é particularmente heroico, e não é nem um pouco atlético. Não é jovem, já tem 41 anos. Não é simpático, sendo direto demais e até sem paciência (talvez sem educação). Felizmente os clientes costumam levar sua falta de trato social na esportiva. Alguns até se divertem. Ele é um bom motorista de taxi, atencioso, ótimo para reconhecer pessoas. Acaba trabalhando demais por sofrer de insônia e não ter nada mais para fazer na vida, mas até que gosta.
Ah, ele é uma morsa. Todo mundo em um anime é um “animal” diferente. Para ser mais exato, cada pessoa é representada como um animal. Odokawa é uma pessoa que tem a aparência de morsa, assim como Donald é uma pessoa que é representada como pato (ao contrário do Pluto, que é só um cachorro). Oddtaxi usa a representação animal muito bem. O anime fica mais rico com isso, assim como Maus: A História de Um Sobrevivente, do Art Spielgeman, e Black Sad: Artic Nation, do Juan Diáz Canales e Juanjo Guarnido também ficam mais ricos com suas representações de pessoas como animais.

As engrenagens da história começam a girar quando Odokawa acaba se envolvendo sem querer em um misterioso desaparecimento de uma jovem idol. Ela esteve em seu taxi antes de sumir e um famoso criminoso e um policial corrupto querem a gravação da câmera de segurança. Estes acontecimentos alimentam engrenagens de uma máquina de crimes que vai moendo tudo pela frente.
Oddtaxi poderia ter uma trama direta, mas acaba jogando mais e mais pessoas no meio de tudo. Uma enfermeira que trafica remédios. O melhor amigo de Odokawa, um zelador chegado num gole e que tenta se aventurar por aplicativos de namoro. Um jovem que se vicia em tudo que envolve apostas. Um fã do grupo das idols, meio abobado e muito esperançoso. O irmão gêmeo do policial corrupto, meio lerdinho e facilmente enganável. As outras idols do grupo. O médico que trata a forte insônia de Odokawa. Uma dupla de comediantes que fazem apresentações de manzai. Um criminoso rapper que anda de patinete pela cidade.

Lembra que eu disse que Oddtaxi não é fastfood? O anime mistura isso tudo, bate, leva no fogo, cozinha e tira daí uma história deliciosa. Achei o meio confuso, mas talvez seja problema meu, que só queria assistir a um anime para relaxar. Quem gosta de brincar de detetive e adivinhar o que vai acontecer ou quem fez o quê vai se esbanjar.
E, embora (quase) tudo esteja interligado, nada parece forçado. Muitas histórias são planejadas demais, e as personagens acabam agindo de um jeito muito artificial, só para avançar os acontecimentos. Parecem atores e atrizes seguindo um roteiro. Aqui, não. As personagens não precisam de se encaixar na história, a história vai crescendo ao redor delas. É como um bom truque de mágica: parece simples e ainda assim é incrível, e deixa a certeza que há todo um grande trabalho por trás para ser tão simples e incrível.

E olha que embora a história seja bem interessante, as personagens foram o que mais me atraiu. Eu me esquecia do grande crime por trás de tudo porque estava mais interessado na enfermeira alpaca capoeirista que trafica para pagar a dívida da faculdade ou no zelador que tentou se passar por um ricaço para sair com uma idol adolescente. Oddtaxi é a mistura perfeita de um slice of life e uma história de crime.
E aí entra o legal de Oddtaxi ser sobre um taxista: Odokawa leva pessoas de um lugar para o outro e vai conhecendo pequenos pedacinhos da vida delas, seja porque elas compartilham em uma conversa ou porque ele descobre deduzindo uma ou outra coisa curiosa. E o anime nos convida a ser, nós mesmos, taxistas: vemos pequenos relances da vida dos personagens, histórias inacabadas, pequenos e grandes sucessos e derrotas. Somos arrastados, juntos com Odokawa, para um grande esquema criminoso, mas a graça mesmo são as pequenas coisas. Quando nossa viagem termina, após 13 episódios, a sensação é que desembarcamos, mas aquelas pessoas continuarão vivendo suas vidas. E é nisso que Oddtaxi triunfa: não em mortes espetaculares, mas em muitas pequenas vidas.
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