Greta Gerwig, diretora de Adoráveis Mulheres
No Oscar de 2020 Natalie Portman apareceu com uma capa Dior Haute Couture com nomes bordados em dourado das diretoras que não haviam sido indicadas ao prêmio. Em tempo, a nomeação na importante categoria de Melhor Direção contemplava apenas homens. E o fim da noite culminaria ainda com a tentativa da academia de interromper o discurso de uma das mulheres mais importantes da indústria cinematográfica da Coréia do Sul: Miky Lee, responsável por financiar grandes produções coreanas e de lança-las ao mundo – O Maravilhoso Parasita foi fruto disso e, enquanto toda a equipe do longa recebia Miky Lee ao palco após receber o Oscar de Melhor Filme, a academia simplesmente lançou um fade out nas luzes que deixavam Lee no holofote para conduzir a próxima apresentação.
Natalie Portman com a capa Dior Haute Couture: manifesto discreto a favor das diretoras não indicadas
Não é inapropriado dizer que Hollywood tem ignorado notórias profissionais do cinema quando o assunto é premiação e, mais importante, valorização: As diretoras citadas discretamente por Portman em sua elegante capa preta eram de mulheres que fizeram obras significativas no cinema, obras estas que estavam na premiação, que eram reconhecidas, mas que tiveram suas diretoras descartadas (injustamente) da disputa: Greta Gerwig, por Adoráveis Mulheres, Lulu Wang pelo excelente A Despedida, e Lorene Scafaria por As Golpistas.
O emocionante A DESPEDIDA, de Lulu Wang: outra diretora injustiçada pela academia
Para entender a distância que tem separado as diretor(A)s ao prêmio do Oscar, basta saber que em toda a história da academia – contabilizando 92 premiações – apenas cinco mulheres foram indicadas e apenas uma ganhou o prêmio: Kathryn Bigelow, em 2010, por Guerra ao Terror.
Kathryn Bigelow: A única mulher a ganhar o Oscar de Melhor Direção durante as 92 premiações da academia
Não obstante, um tempo antes da grande premiação, no também indefectível Globo de Ouro, nenhum nome feminino foi indicado nas categorias de direção e/ou roteiro; um desconforto sentido ao vivo por Natalie Portman, uma das apresentadoras do prêmio de Melhor Diretor. Com um discreto sorriso cínico, Portman disse a seguinte frase ao anunciar os diretores que ali concorriam: “…e aqui estão todos os Homens indicados…” Tal sentimento foi compartilhado por Charlize Theron que disse em entrevista ao Los Angeles Times estar frustrada com o resultado. Alma Har’el, diretora israelense de Honey Boy, usou o twitter para deixar uma declaração acalorada sobre a falta de indicações femininas “Eles não nos representam. Não espere por justiça no sistema de premiações.”. Har’el finalizou o post listando todas as diretoras que tiveram obras importantes em 2019 com a seguinte conclusão: “Este é o nosso prêmio. Ninguém irá tirá-lo de nós.”
Alma Har’el usou o próprio vídeo de Natalie Portman para evidenciar sua crítica ao Globo de Ouro
2019 foi o ano das Mulheres
Este não é um discurso infundado ou apenas protecionista: o ano de 2019 foi marcado por um record elogiável que justifica a onda de indignação das artistas da categoria: 10,6% das produções feitas neste ano são de mulheres na cadeira da Direção1. Produções de peso como Frozen 2, As Golpistas, A Despedida, Adoráveis Mulheres e tantas outras… Se olhar para o número em si você provavelmente o achará irrisório (considerando a quantidade de filmes que foram lançados no ano citado), MAS esta singela porcentagem corresponde ao dobro de produções dirigidas por mulheres no ano de 2018.
Sim, as mulheres foram à luta. Determinadas em deixar sua marca e fazendo isso de forma categórica. Além da porcentagem supracitada há outros exemplos: Adélia Sampaio, aos 34 anos, foi a primeira mulher negra a ter um filme circulando no cinema comercial brasileiro: Amor Maldito – que narra a história de um amor lésbico à beira do colapso graças a pressão da igreja. Patty Jenkins que dirigiu o incrível Monster: Desejo Assassino com Charize Theron, está na direção dos dois longas da Mulher Maravilha (o segundo será lançado em julho deste ano). Gabriela Amaral Almeida , brasileira de 40 anos, tem chamado a atenção ao dirigir produções inquietantes, como o maravilhoso Animal Cordial.
Gabriela Amaral Almeida dirigiu o tenso Animal Cordial, estrelado por Murilo Benício
Eu não gostaria de enumerar motivos ou elucidar discussões sobre porque a Academia tem desconsiderado mulheres na premiação: razões culturais, de contexto sexista (já que 68% da organização de votantes é composta por homens e a atmosfera ainda reflete as predominâncias masculinas) ou pela simples falta de espaço entre os indicados. O que vale ressaltar aqui é a relevância das produções dirigidas pelas mulheres em 2019 e sim, nos anos que o antecederam, a qualidade no resultado dos longas, e, especialmente a coragem das mulheres da categoria que, além de “darem a cara a tapa” estão se unindo para discutir sobre o assunto e evidenciá-lo ao grande público.
Um dia a barreira se quebra. De tanto ser forçada e combatida ela vai acabar cedendo. O importante é continuarmos elucidando a discussão e valorizando essas incríveis mulheres que tem estado no backstage de produções de qualidade, lutando contra discriminações e preconceitos. Elas também querem contar uma história, uma história de valor, e precisam ser ouvidas.
Miky Lee, a magnata da Coréia do Sul que falei no início deste post quase foi calada pela academia. QUASE. Uma pequena porção da platéia, a que estava mais perto do palco, usou seu poder para manifestar-se. Tom Hanks e Charlize Theron foram os primeiros: gritaram para que a luz voltasse, para que Miky voltasse aos holofotes, e foram então atendidos. Ela conseguiu finalizar seu discurso. E que isso sirva de lição para todos nós: que não deixemos nunca que outros calem as mulheres. Vamos dar-lhe voz e vamos deixá-las falar. Sempre haverá algo importante que precisa ser ouvido.
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