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Foto do escritorDaniel Miranda

O Guia do Guia do Mochileiro das Galáxias

Se estivesse vivo, Douglas Adams completaria hoje 70 anos. Hoje completam, também, 21 anos de sua morte. Os exatos 49 anos vividos foram cheios de eventos marcantes: roteirista do Monty Python e de Dr Who, amigo do pessoal do Pink Floyd (chegou a tocar guitarra em um show deles), ativista ambiental e ateu, apaixonado por tecnologias e, meio que contra sua vontade, escritor.

Isso porque o talento de Adams tinha um rival à altura: sua procrastinação. Famoso pelos atrasos, muitos livros seus são frutos dos esforços dos outros, que recorriam a tudo que não fosse violência física para que ele escrevesse. Isso incluiu, uma vez, trancá-lo em um quarto de hotel com seu editor por três semanas para assegurar que um livro fosse concluído.

Muito além, nos confins inexplorados da região mais brega da Borda Ocidental desta Galáxia, há um pequeno sol amarelo e esquecido.

Sua obra mais conhecia é o Guia do Mochileiro das Galáxias, uma série de ficção científica de comédia com uma história bem caótica. Nela, a Terra é explodida pela raça Vogons para abrir espaço para um desvio intergalático. O inglês Arthur Dent consegue fugir da explosão com a ajuda do alienígena Ford Prefect. Eles acabam se juntando, depois, a Zaphod Beeblebrox, o Presidente Galático; Tricia McMillan, uma inglesa que é a única outra sobrevivente do planeta; e o robô depressivo Marvin, O Andróide Paranóide. A série é, como Douglas Adams gostava de falar, uma trilogia de cinco livros. Quando alguém fala que conhece a série o comum é que esteja se referindo a estes livros, mas não foi aqui que tudo começou.

A Inglaterra tem uma longa tradição com programas de rádio, e O Guia do Mochileiro das Galáxias foi criado primeiro como uma série de rádio para a BBC4, indo ao ar inicialmente em 1978. Em 1979, Douglas adaptou a história para o livro de mesmo nome. Uma segunda temporada da rádio estreou em 1980. Então, vieram os outros livros: “O Restaurante no Fim do Universo” (1980), “A Vida, o Universo e Tudo Mais (1982) e “Até Mais e Obrigado Pelos Peixes” (1984). Em 1992 Douglas Adams publicou Praticamente Inofensiva, o quinto e último livro da trilogia do Mochileiro das Galáxias. Este livro não é muito querido pelos fãs por ser mais sombrio e não ter alguns personagens queridos. O próprio autor não o considerava um livro muito bom e cogitou criar um sexto, mas faleceu antes.

Girando em torno deste sol, a uma distância de cerca de 148 milhões de quilômetros, há um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante, cujas formas de vida, descendentes de primatas, são tão extraordinariamente primitivas que ainda acham que relógios digitais são uma grande idéia.

Antes disso foi feita uma série de seis episódios para TV em 1981, dirigida e produzida por Alan J. W, Bell, e exibida na BBC2. Uma segunda temporada foi cogitada, mas diferenças criativas entre Douglas Adams, Alan Bell e a BBC, e acabou que nunca foi produzida. Também foi lançado, em 1984, um jogo de ficção interativa adaptando a série para computadores. É um text-based adventure (jogo de aventura por texto), infamamente difícel e obtuso e, por isso mesmo, divertíssimo. Uma edição especial de 30 está disponível para ser jogada gratuitamente no site da BBC desde 2004.

Holywood também adaptou a história. Um filme estreando Martin Freeman, Mos Def, Sam Rockwell e Zooey Deschanel estreou em 2005. O roteiro foi co-escrito por Adams, e a adaptação se tornou um marco visual para a franquia. Douglas morreu antes que o filme fosse lançado. A recepção foi morna. Eu acho que o universo do Guia é muito mais adequado às palavras, sejam elas escritas ou faladas, com a imaginação trabalhando para entender mentalmente os conceitos malucos.

Este planeta tem – ou melhor, tinha – o seguinte problema: a maioria de seus habitantes estava quase sempre infeliz. Foram sugeridas muitas soluções para esse problema, mas a maior parte delas dizia respeito basicamente à movimentação de pequenos pedaços de papel colorido com números impressos, o que é curioso, já que no geral não eram os tais pedaços de papel colorido que se sentiam infelizes.

Em 1988, após a publicação dos quatro primeiros livros, um escritor desconhecido e grande amigo de Douglas Adams fez um livro chamado Não Entre em Pânico. O livro conta muitas coisas sobre a produção do Guia e a vida pessoal do Douglas Adams, e também tem vários textos do próprio Douglas Adams. O escritor era Neil Gaiman.

Bem, aqui terminam os principais conteúdos sobre o Guia feitos com o autor vivo, mas nada que faz sucesso (e, com isso, gera dinheiro) fica por muito tempo parado na nossa sociedade. Outras cinco séries para rádio foram feitas, adaptando o conteúdo dos livros, sendo lançadas entre 2004 e 2005. Então, uma sexta série foi criada em 2018, com o Stephen Hawking fazendo a voz do Guia. Todas foram lançadas na BBC Radio 4.

E assim o problema continuava sem solução. Muitas pessoas eram más, e a maioria delas era muito infeliz, mesmo as que tinham relógios digitais.

Em 2009 foi lançado um sexto livro do Guia, escrito por Eoin Colfer, criador de Artemis Fall e entitulado ”E Tem Outra Coisa…”. Não o li, e sei que o Eoin Colfer escreve em um estilo próprio, ao invés de tentar mimetizar o estilo do Douglas Adams (uma escolha inteligente, creio). Por não ter sido escrito pelo Adams, muitos fãs o consideram não-oficial.

Há, também, um livro do Guia chamado O Salmão da Dúvida.Ele é uma coletânea póstuma de textos que o Douglas Adams publicou ou que foram encontrados em seu computador, incluindo um romance inacabado.

Um número cada vez maior de pessoas acreditava que havia sido um erro terrível da espécie descer das árvores. Algumas diziam que até mesmo subir nas árvores tinha sido uma péssima idéia, e que ninguém jamais deveria ter saído do mar.

E isso abrange o principal de O Guia do Mochileiro da Galáxia. Acho uma pena que as séries de rádio não tenham sido adaptadas para o português. Não temos uma tradição tão forte na área, os custos de licensiamento e produção devem ser caros. É uma pena que o acesso aos programas de rádio esteja restrito a quem domina bem o inglês britânico. Com audiobooks se popularizando cada vez mais, quem sabe um dia a adaptação não chega para nós?

Em anos tão pesados, um pouco de comédia sempre vai bem, mesmo que ela comece com o fim da Terra. Talvez porque, pelo menos lá, o fim não é um fim, mas só o começo. Feliz aniversário, Douglas Adams, e obrigado pelos peixes.

E, então, uma quinta-feira, quase dois mil anos depois que um homem foi pregado num pedaço de madeira por ter dito que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras para variar, uma garota, sozinha numa pequena lanchonete em Rickmansworth, de repente compreendeu o que tinha dado errado todo esse tempo e finalmente descobriu como o mundo poderia se tornar um lugar bom e feliz.
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