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Foto do escritorLai Caetano

MAID: o universo comum das vítimas de violência doméstica

MAID (que no Brasil recebeu o péssimo nome de “Criada“) estreou na Netflix contando, em formato de drama, uma história de violência doméstica que, para muitas, é bastante comum. A série de oito episódios foi inspirada no livro autobiográfico de Stephanie Land. Olha o trailer:

A série é espetacular ao mostrar como a violência doméstica ocorre de formas diferentes em mulheres com vidas, companheiros e personalidades completamente diferentes. Todas são vítimas e passam por processos em ciclo os quais nem sempre conseguem se ver livres.

De acordo com a pesquisa realizada em 2019 pelo Observatório da Mulher contra Violência (OMV) e o DataSenado, há um “ciclo de violência” consistente na identificação de um padrão de comportamentos que ocorre na maioria dos casos de violência doméstica: a acumulação de tensão (com agressões verbais e violência psicológica em que a mulher possui receio em irritar o agressor), a explosão (marcado pelas agressões físicas em que a vítima tende a esconder os hematomas) e a lua de mel (com pedidos de desculpas, arrependimento e juras de amor, momento em que os processos criminais são interrompidos). O termo foi cunhado pela psicóloga norte-americana Lenore Walker.

Tudo começa quando a protagonista Alex (Margaret Qualley) cria coragem e consegue deixar para trás um relacionamento abusivo, levando consigo sua filha. Acontece que ela, que já vivia uma vida simples num trailer com o companheiro Sean (Nick Robinson), começa a ter de viver como mãe solo com praticamente nada, sem mal ter o que comer ou vestir, e precisa recorrer, depois de perceber que não possui rede de apoio, às infindáveis burocracias do governo para ter acesso a serviços sociais e às instituições de apoio para conseguir se reerguer.

Nada na vida de Alex é fácil e ela aprende que tudo tem um preço. Ao olhar para a filha, ela sempre se lembra que nenhum preço é tão alto que ela não esteja disposta a pagar e é assim que ela encara todo obstáculo que aparece em sua jornada. Durante a série ela passa pelos padrões de comportamento de violência doméstica e tanto o seu desejo de ter uma “família” e um teto quanto sua imaturidade com a vida a levam se reaproximar do seu agressor.

A série fala com muita serenidade sobre a importância de uma rede de apoio. Alex, que não pode contar com absolutamente ninguém, se vê frustrada e perdida em muitos momentos até que aos poucos vamos conhecendo de verdade as pessoas que estão à sua volta e quem realmente está disposto a ajudá-la. Paula (Andie MacDowell), mãe de Alex, Regina (Anika Noni Rose), Hank (Billy Burke) e Danielle (Aimee Carrero) são os principais exemplos dessa construção em volta da protagonista e são papeis incrivelmente interpretados.

Claro que Alex não passa por tudo isso de forma impune e a série tem outro grande acerto aí ao falar sobre depressão. Além de buscar procurar ajuda e de não tratar os sintomas como um comportamento voluntário, Alex está afundada em suas dores sem conseguir se levantar quando revive as situações e revisita o ambiente em que foi vítima de violência.

Um dos trabalhos importantes da série é a busca por reforçar, sempre que pode, que a violência psicológica também é um tipo de violência doméstica. Aqui no Brasil isso já está em lei desde 2018 por conta de uma alteração na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) traz um rol exemplificativo de formas de violência no art. 7º. Uma delas é a violência psicológica, que é assim definida:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação.

É um “abuso invisível”, que não deixa olhos roxos nem cicatrizes aparentes e que, provavelmente por isso, é tão difícil de ser percebido pelas pessoas ou admitido pelas vítimas. Afinal, o “mas pelo menos ele não me bateu” é uma admissão comum de mulheres que estão dentro de uma situação de abuso mas possuem dificuldade para reconhecer a situação.

Apesar de tanto assunto delicado desenvolvido na série, ela tem um final feliz. Um verdadeiro momento de alívio e paz para Alex que consegue, finalmente, trilhar o caminho que pretendia. Não é daqueles trabalhos que precisam de uma segunda temporada mas admito que ia ser interessante ver ela se dando bem em cenas que mostrassem que a violência doméstica só acaba com a vida das vítimas quando, infelizmente, há uma fatalidade pois, tirando isso, há sempre um caminho para se reinventar e se reconstruir.

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