Knives Out (Entre facas e segredos): thriller divertido lançado em 05/12/2019
Crítica sem spoilers
Você já brincou de Detetive alguma vez? Ou já leu alguma das obras de Agatha Christie? Se você respondeu sim para uma destas perguntas sabe qual é a sensação de expectativa, ansiedade e euforia ao tentar desvendar um mistério envolvendo assassinato. Agora se respondeu “não” para uma destas perguntas (ou se respondeu sim também) você precisa ver Entre Facas e Segredos (Knives Out) longa escrito e dirigido por Rian Johnson lançado em 2019 que chamou atenção da crítica e das premiações.
Na trama, uma equipe de policiais liderada pelo detetive particular Benoit Blanc (Daniel Craig) precisa investigar o assassinato de um famoso escritor – Harlan Thrombey (Christopher Plummer). Para isso, eles precisam conhecer a fundo todos que vivem e convivem na residência e vão então descobrir que há muitos segredos por trás de toda a família.
Daniel Craig e sua equipe: sátira aos policiais e investigadores do cinema
Rian Johnson enfrentou um verdadeiro inferno astral após o lançamento de Star Wars: The Last Jedi (longa assinado por ele). O tempo se fechou para o cineasta e roteirista, que foi duramente criticado pelos fãs por entregar um material extremamente diferente do apresentado nas outras sequencias da saga. MAS, como nossa vida (assim como a carreira cinematográfica de Rian) é uma constante montanha russa de situações, com quedas vertiginosas e ascensões, seu momento de se reerguer veio com Knives Out, que foi indicado em diversas premiações, e arrecadou mais de 200 milhões de doletas.
Knives Out: O filme que poderia ter sido escrito por Agatha Christie
O filme apresenta um clássico thriller policial com personagens caricatos, tal qual as obras de Agatha Christie. É impossível não comparar a trama com as histórias da escritora, já que a mesma atmosfera de crítica social sob uma densa camada de humor negro está presente em ambos os casos. Nos livros, Christie utiliza personagens categóricos bem definidos como alegoria para as situações mais densas de cada obra, mas não os coloca em uma posição óbvia: elas são retratadas como personagens clichês para desempenhar um papel mais simbólico do que definitivo para a resolução dos problemas; estão lá para distrair enquanto elucidam algum tipo de discussão mais complexa, como se a escritora estivesse apenas colocando peças de decoração para enfatizar alguma crítica social tão presente em nosso ambiente, que nem sequer conseguimos perceber que ela de fato existe.
Agatha Christie: uma das “mães” de obras relacionadas a investigação de assassinatos.
Rian Johnson segue a mesma receita de Agatha Chirstie mas coloca um tempero muito próprio e exclusivo: os personagens são igualmente caricatos, mas seguem fórmulas próprias. Estão totalmente adequados ao tempo presente e, sendo óbvios, seguem os clichês da nossa própria época: enquanto no passado os livros eram recheados de coronéis aposentados, mordomos estranhos e viúvas sofridas, temos aqui digital influencers, adolescentes inconformados e rebeldes, e uma jovem enfermeira mexicana que vive clandestinamente nos EUA. Além dos perfis, é preciso destacar a atuação primorosa do elenco que simplesmente embarcou de cabeça nas trajetórias infames de seus personagens: são bem autorais e autênticos, sem deixar que as alegorias caricatas os deixem muito superficiais. E por falar em elenco perceba que time de ouro! Jamie Lee Curtis, Toni Colette, Chris Evans, Christopher Plummer e Daniel Craig! Em minha modesta e humilde opinião dou o devido destaque a Daniel Craig que se despiu totalmente da carapaça do carrancudo e reservado James Bond para dar vida a um detetive enfático, eloquente e retórico, muito animado com a perspectiva de encontrar a verdade; destaque também para Ana de Armas, que interpreta a tímida enfermeira Martha, em uma performance contida e amedrontada, com as devidas proporções que sua personagem precisa.
Daniel Craig e Ana de Armas: destaque de interpretação e performance
Seguindo as pistas
Com as personagens bem definidas e em seus lugares, Rian nos guia magistralmente por um caminho enquanto vamos bolando em nossa mente as possíveis peças deste quebra-cabeça. Cada pista nos envolve e nos incita a criar conclusões próprias, enquanto a trama vai nos levando a afirmar estas conclusões e nos deixando mais certos de como será o fim. É então que a história leva um capote e tudo muda novamente! O que achávamos que ia acontecer é totalmente alterado e nos pega de surpresa. Esta mistura de reviravoltas, em que a trama perde o rumo previsto, pode ser um problema se não for bem dirigido, mas aqui Rian faz a condução de forma certeira ainda despejando pistas falsas e nos deixando cada vez mais presos em toda a trama. Para se ter uma ideia, um dos grandes segredos da história é logo revelado no meio do filme, e esta sensação de descoberta acaba nos tirando o foco das investigações, assim fica fácil perder a lógica da narrativa já que começamos a nos concentrar em outra situação urgente que se forma ao longo do caminho; então o quebra-cabeça se forma e se mistura de novo nos deixando cada vez mais presos no desvendar de toda a história.
Pistas falsas nos levam a caminhos distintos e nos deixam em constantes expectativas
E todo este contexto é bem definido com a ajuda dos personagens e suas características: alguns defeitos e problemas são usados para direcionar as situações e suas consequências, como é o caso de uma das personagens-chave que vomita toda a vez que conta alguma mentira. As nuances vão dando forma e te mostrando com sutileza o que mais adiante será utilizado e explorado nas situações mais críticas.
E enquanto o entusiasmo cresce, Rian deixa mais pistas sutis pelo caminho; pistas sobre o desenrolar da história, como o autorretrato de Harlan pintado em um grandioso quadro que está no hall de entrada da mansão, a imagem do escritor segurando uma adaga e rindo maliciosamente; pistas metafóricas para desempenhar um papel mais profundo no olhar do telespectador como as insinuações de personagens clássicas das obras antigas com os personagens de sua própria história, e pistas que sugerem o próprio contexto da trama como a estrutura de arte redonda formada por várias espécies de objetos cortantes como facas e machadinhas que fica no grande escritório de Harlan e aparece atrás dos suspeitos enquanto estão sendo entrevistados.
Jamie Lee Curtis interpreta Linda Drysdale, filha do falecida escrito Harlan
Entre Facas e Segredos é um filme divertido, sagaz e inteligente, com todas as pretensões de um thriller investigativo sem exatamente se portar como um. É provocativo, revogando sutis discussões sociais, mas leve com seu humor cínico e empolgante. Tem em seu elenco um timing bem conectado e à vontade nos papéis, e atuações honestas totalmente mergulhadas nas suas personalidades. Um filme para comprovar a competência e genialidade de Rian Jhonson.
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