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Foto do escritorDaniel Miranda

ENDER LILIES: Quietus of the Knights e o “problema” de ser apenas excelente

Se você já conhece o gênero metroidvania, recomendo pular os próximos três parágrafos.

Em 1986, no Nintendinho, o jogo Metroid enviou a soldado Samus Aran ao planeta Zebes para resgatar criaturas potencialmente perigosas da mão de piratas espaciais. Ao contrário de jogos como Mario, onde as fases existiam isoladamente, Samus explorava um mundo interligado composto de túneis, lagos de água ou lava, e grandes salas e cavernas.

Também diferente de Mario, o objetivo não era ir da esquerda para a direita e chegar ao final mas sim explorar, descobrir segredos. O mapa (que não era visível dentro do jogo, o que seria adicionado apenas no remake Metroid: Zero Mission) era um dos grandes atrativos. Era possível obter habilidades que te permitiam novos feitos, voltar a lugares já visitados e, então, atingir lugares antes inatingíveis. No Super Nintendo o jogo Super Metroid aprimorou o conceito, refinando as ideias em um jogo que até hoje é considerado por muitos um dos melhores já feitos.

A vovó do gênero

Em 1997 a Konami pegou a estrutura de Super Metroid, juntou com a franquia Castlevania e lançou Castlevania: Symphony of the Night para o Playstation. Saem os temas espaciais e entra o gótico, as influências da literatura vitoriana e de filmes de terror clássicos da Universal como Frankenstein e O Monstro da Lagoa Negra. Sai a protagonista calada e estoica e entra um vampiro andrógino e seus dramas familiares. Entram, também, elementos de RPG: mais itens, a possibilidade de subir de níveis, etc. Symphony of the Night pegou o bolo pronto e adicionou a cobertura e, nisso, cimentou um novo gênero que foi batizado (sem muita criatividade) de metroidvania.

Um dos jogos mais amados do Playstation

A Nintendo abandonou o filho que havia criado. Seu último Metroid clássico (sem contar os remakes e spinoffs) foi Metroid Fusion em 2002, e partiu para o 3D com os Metroid Prime. Já a Konami manteve os jogos Castlevania do estilo metroidvanias meio que escondidos nas plataformas portáteis. Nos consoles, a franquia passava por uma crise de identidade seguindo a moda 3D que estivesse em voga e, no processo, se tornando esquecível. No fim, até os jogos dos portáteis acabaram.

Coube aos indies manterem os metroidvanias vivos, e o estilo tem passado por uma renascença. Jogos como Ori and the Blind Forest e Hollow Knight pegaram a estrutura, aplicaram a outras temáticas e criaram os jogos memoráveis para os fã do gênero. É neste contexto que ENDER LILIES: Quietus of the Knights foi lançado. O jogo foi desenvolvido pela Adglob and Live Wire, e publicado pela Binary Haze Interactive primeiro em 2021 no Steam Early Access, a ser lançado oficialmente em 2022 para Windows, Nintendo Switch, Xbox One/ Series X/Series S e Playstation 4.



Jogamos com Lily, uma garotinha que acorda nos fundos de uma igreja no desolado País do Fim. Ela é descendente da Sacerdotisa Branca, capaz de purificar criaturas da Corrupção que conspurca os seres vivos. Ao purifica-los, alguns juram protege-la, e com essa proteção saímos pelo mundo e vamos descobrindo como tudo chegou àquele estado. O contraste de controlar uma criança, que se move a age como criança mesmo, e vê-la sendo protegida por guerreiros, bruxas e animais fantasmas é de cair o queixo. O jogo é um espetáculo, usando do contraste muito grande entre a garota pura que emana luz em meio a um lugar decrépito, sujo e borrado.

Quando vi o trailer de anúncio pela primeira vez, achei que tudo parecia “demais”, como se fosse feito em recortes de papel. A sensação não se manteve ao jogar. Há uma profundidade e naturalidade em tudo que faz com que o mundo pareça um lugar de verdade, não só um cenário de videogame feito pensando na jogabilidade. Explorar castelos, laboratórios, cavernas e vilas é magnífico.

É muito difícil falar do jogo sem citar suas influências. Uma mistura de Dark Souls e Child of Light, dizem uns. Hollow Knight com um toque de Castlevania: Aria of Sorrow, dizem outros. Feijoada com um pouco menos calabresa, falam outrem. Não importa a comparação, a verdade é que ENDER LILIES não esconde as suas referências, não tentou disfarça-las. Com sinceridade, não me incomoda. Todo jogo pega algo dos que vieram antes, e ninguém vai dizer que ENDER LILIES é uma cópia. Ele tem uma identidade única, e consegue usar isso a seu favor. Você salva o jogo sentando em bancos como em Hollow Knight, mas a sensação é totalmente diferente.

Um dos bancos para salvar o jogo, deixando clara a influência de Hollow Knight

Outro banco, desta vez passando uma sensação totalmente diferente.

A influência mais interessante para mim talvez seja a dos contos de fadas. Algo comum do gênero é termos papeis bem consolidados: o Rei, a Rainha Madrasta, o Príncipe Encantado, a Princesa, etc. As personagens não importam muito: em todos os filmes antigos da Disney o Príncipe Encantado parece igual a todos os outros, para mim. Acho que só os fãs mais ardorosos sabem os nomes e diferencia-los. ENDER LILIES segue um pouco esta linha narrativa. Muitas personagens não tem nome, e ele não importa, elas tem apenas um papel na trama, que se descortina através de pequenos detalhes aqui e ali. A própria história por trás de Lily é simplória, embora não deixe se ser tocante. O melhor para mim são os chefes: todos tem um nome, uma história por trás, sempre trágica, e sempre sendo corrompidos em nome de algo maior: amor, solidão, etc. São assustadores, mas matá-los é um ato triste, melancólico, até piedoso.

ENDER LILIES é jogo difícil, sem dúvida, e sem opções de alterar a dificuldade. Os inimigos são implacáveis e a morte vem rápido aos desatentos. Reflexos rápidos são uma necessidade para quem quer ver o final, e não é possível subir de nível a ponto de compensar isso. Isso combina com o fato que controlamos uma criança normal em meio a um mundo violento, enfrentando criaturas perigosas e cavaleiros treinados para guerras. Queria que mais pessoas aprecisassem o jogo, então torço para que uma opção de controlar a dificuldade seja adicionada no futuro.

Até morrer é lindo

ENDER LILIES, pelo menos, não desperdiça seu tempo. Eu, como adulto, adorei isso. Os chefes sempre estão próximos de lugares para salvar o jogo, não se perde experiência ao morrer, e os monstros derrotados só voltam à vida quando você salva. Dá para pegar, jogar um pouquinho, parar e sentir que seu tempo foi bem gasto, que você progrediu. É perfeito para o Nintendo Switch.

Algo menos notável no trailer mas que vale mencionar de tão linda é a trilha sonora. Me lembrou um pouco as músicas da Coeur de Pirate para Child of Light, com um piano melancólico e sensível, por vezes cedendo espaço para violinos, cantos murmurados suavemente e outros elementos atmosféricos. Nas lutas contra chefes é comum que suas últimas formas tenham uma trilha exclusiva, sempre linda e empolgante, e prestar atenção nelas contribuiu para a minha morte mais de uma vez. Felizmente a trilha está disponível no Spotify, e é uma delícia de ouvir no dia-a-dia.

Ah, algo que vale destacar: o jogo foi todo traduzido para o português brasileiro, e a tradução está ótima! Dá para mudar o idioma pelo menu do jogo, sem ter que voltar para a tela principal, o que permite jogar em português e pesquisar termos, personagens, detonados, etc em inglês. A localização foi um grande acerto dos desenvolvedores.

ENDER LILIES é um excelente jogo de ação e exploração. Para os fãs de metroidvanias, é maravilhoso. Se tivesse sido lançado em outra época, seria um clássico. O grande problema não está no jogo em si, mas no contexto em que ele foi lançado. ENDER LILIES não é original o bastante para se destacar em meio a tantos jogos ótimos do gênero que tem saído. É como se estivéssemos em uma festa gigantesca, cheia de gente legal. É fácil curtir a festa, mas é difícil lembrar de todo mundo. Não dá para reclamar de um jogo por ele não se destacar em meio a outros frequentemente chamados de obras-primas, mas é exatamente isso que me aflige ao pensar em ENDER LILIES: ele é excelente em uma época onde ser excelente não basta.

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