Uma das grandes estreias do mês foi o filme dirigido e produzido por Christopher Nolan, contando a história do físico Julius Oppenheimer que foi o responsável pela criação da bomba atômica que dizimou duas cidades no Japão em 1945. Já tem aqui no site uma crítica do filme e fizemos também um vídeo sobre a história do físico:
Ao assistir o filme, o que pessoalmente me causou incômodo foi a forma rasa que o filme buscou mostrar o horror das consequências do uso da bomba e em trazer ao debate a discussão sobre o real responsável por essa catástrofe que mudou o mundo e até hoje não sofreu nenhuma consequência. Afinal, quem diria que a solução para evitar mortes seria causar mais mortes ainda?
Sim, é um filme sobre Oppenheimer mas a própria história foca na construção da bomba em si e mostra, de forma bem breve, um dos arremessos no país “inimigo”. Nesses momentos que eu percebi que o filme foi raso em falar da real consequência.
Um evento dessa crueldade e magnitude certamente mudou o Japão. Prova disso está nas produções artísticas que nos permitem entender esses eventos sob a visão dos japoneses. Aqui indicarei algumas delas.
Gen, pés descalços (1983)
Hadashi no Gen é um dos mais fortes, na minha opinião, principalmente por ter sido feito por um sobrevivente de Hiroshima. Trata-se de uma animação de Keiji Nakazawa de pouco mais de duas horas de duração inspirada numa obra autobiográfica. Conta a história de Gen Nakaoka, um garoto de 7 anos de idade, e sua família viviam durante a Segunda Guerra. Essa cena é devastadora:
O filme não está atualmente em nenhum canal de streaming, mas é possível encontrar sua versão completa no youtube.
O túmulo dos Vagalumes (1988)
Conhecida como a obra mais impactante e devastadora do Studio Ghibli, Hotaru no Haka (nome original) é para deixar qualquer um sem chão. O filme, de Akiyuki Nosaka, se passa na cidade de Kobe, e, com a cidade em chamas após um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial, os irmãos Setsuko, de 4 anos, e Seita Akiyuki, de 14, se desdobram para sobreviver em meio ao caos.
Não dá para postar qualquer clipe aqui sem entregar partes importantes da história, então se estiver disposto a assistir, prepare bem o coração e a cabeça. O filme está disponível no youtube.
Vidas ao Vento (2014)
Na animação Kaze Tachinu (nome original), a história é menos chocante, mas igualmente marcante. Não fala especificamente sobre a bomba mas sobre fatos que a antecederam.
Conta a história de Jiro Horikoshi, o famoso designer que criou o mortífero avião de combate japonês Mitsubishi A6M Zero, cujo modelo foi usado na Segunda Guerra para o ataque de Pearl Harbor. Apesar de ser um filme de Hayao Miyazaki, não contém elementos fantásticos e explora, de forma bem direta, a história de vida de um fabricante de armas. Porém traz uma mensagem pacifista e lamenta a capacidade dos homens para a destruição em massa.
Para a surpresa de ninguém, o filme não foi bem recebido nos Estados Unidos. O longa pode ser visto na Netflix.
Rapsódia em agosto (1991)
Uma senhora, moradora de Nagasaki, está tomando conta de seus netos durante as férias, e lá ela os ensina sobre a bomba atômica que atingiu a cidade em 1945 e matou o avô deles. Hachi-gatsu no rapusodi (nome original) acaba sendo bem abrangente por falar sobre a geração que morreu com a bomba, a que sofreu as suas consequências e a que não se lembra da magnitude desse acontecimento.
O filme conta com a participação de Richard Gere também está inteiramente disponível no youtube (mas sem legenda).
Corações Sujos (2012)
Esse filme, dirigido por Vicente Amorim, conta a história dos imigrantes japoneses no Brasil após o fim da Segunda Guerra. Enquanto um acordo marcou o fim do embate, imigrantes japoneses que viviam no interior de São Paulo se dividiam entre aqueles que acreditavam na notícia de paz e eram chamados de corações sujos, e os que os criticaram.
Ok, esse filme não é dirigido por um japonês mas quis citá-lo aqui por trazer uma visão muito próxima da nossa realidade e de como isso impactou a comunidade nipônica no Brasil. O filme está disponível na Netflix.
Godzilla (1954)
Esse é curioso, pois é uma obra ficcional que explora a ideia do imaginário da bomba atômica no Japão. Como? Godzilla é a própria representação da bomba, um animal que ficou da forma que ficou por conta da mutação causada pelo efeito das bombas. Além de seu tamanho e de uma couraça bem resistente, possui um “sopro atômico” que libera calor radioativo e destrói tudo o que tiver ao seu redor (familiar, né?)
Criado por Ishirô Honda, Tomoyuyki Tanaka e Eiji Tsubaraya, Godzilla surge para devastar a Terra e tem Tóquio como um dos alvos. Com o tempo, o mostro se tornou tão icônico na cultura japonesa que ganhou várias versões, inclusive em uma delas está do lado do povo e o protege de outras ameaças.
Akira (1982)
Consiste também em uma obra ficcional sobre os efeitos de uma guerra mundial. Tanto o mangá quanto a animação são atuais e contam a história de Kaneda e Tetsuo, membros de uma gangue de motociclistas que vivem numa Tóquio “futurista” de 2019 após ser alvo de uma bomba atômica durante a terceira guerra mundial.
Durante uma corrida eles encontram um garoto fugitivo de uma base militar e Tetsuo acaba se ferindo. Nisso ele é levado pelo exército e o seu amigo, Kaneda, começa a descobrir uma série de coisas relacionadas às pesquisas militares. Esse é um dos meus filmes favoritos. Também está disponível no youtube.
Neon Genesis Evangelion (1994-2013)
Esse é se não o mais, um dos meus mangás/animes favoritos. Criado por Yoshiyuki Sadamoto e Hideaki Anno, a história se passa nos anos 2000 em um planeta Terra devastado por uma explosão chamada “Segundo Impacto” (hum…), que derreteu calotas polares e mudou o eixo do planeta, causando uma série de mudanças climáticas e uma nova guerra.
Nisso, o mundo presencia a invasão de “Anjos” (criaturas celestiais gigantes, de diversos formatos, que querem entrar no núcleo da Terra e causar o Terceiro Impacto, dizimando o que restou da humanidade. São então criados os EVAs (evangelions), seres que são uma espécie de robôs gigantes com matéria orgânica e são controlados por humanos que com eles encontram compatibilidade.
Essa conexão dos EVAs demanda muito dos humanos, então além de não ser qualquer pessoa capaz de controlá-los (ou se ligar a uma relação de simbiose talvez), nem todas as pessoas estão dispostas a passar por isso.
Nisso tem-se a iminência do apocalipse, uma ameaça real, poucas opções de defesa e ainda o dificultador que é encontrar pessoas emocionalmente estáveis para se conectar às criaturas e combater os anjos. Existem também outros assuntos muito ricos abordados no mangá/anime, como questões existenciais e o distanciamento emocional característico dos anos 1990.
É uma obra fantástica e pra mim, assim como Akira, não está datada. Para nós aqui do Brasil, o medo dos efeitos de uma guerra de alcance mundial parece estar sempre eminente, bastando apenas uma mera “canetada” de alguém de alto escalão. Para outras pessoas, esse medo pode estar ainda mais próximo, conforme a distância de áreas de conflito militar real.
Tudo sobre Evangelion está atualmente disponível na Netflix.
E aí, curtiu a nossa seleção?
Sabe de mais algum filme/ anime ou livro que aborda o assunto de acordo com uma visão japonesa? Conta pra gente!
Quer ler mais sobre essa influência cultura? Indico “As reminescências da guerra no mangá e no animê”, de Marina Teresinha Rosa de Melo e Madalena Hatsuko Hashimoto Cordard.
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