O que falar deste novo lançamento do estúdio A24?
Aconselho você a ler um pouco sobre a história do Cavaleiro Verde. Falando como alguém que leu o livro – mas não pode falar com propriedade de todos os poemas e versos sobre a jornada de Gawain – conhecer a história pode ser um tempero adicional. Se não quiser ler mas tiver interesse no resumo, vá ao final do post.
O filme, lançado em meados de 2021 e disponível em janeiro desse ano no AmazonPrime, conta a história de Sir Gawain (Dev Patel), um jovem que busca conquistar com honra um lugar na távola redonda ao lado do tio. Não é uma aventura vivida por Gawain (com alívio cômico, reviravoltas, donzelas em perigo): é a jornada de uma vida e é com esse tom que a história vai sendo contada.
Aqui temos o olhar sombrio e limpo das cenas e da história, o que a meu ver auxilia na imersão de um contexto medieval. A leveza das pessoas na vida de Gawain, a seriedade na távola que é um ponto muito relevante em qualquer história arthuriana, a simplicidade dos cenários – sem opulência – e a música apenas para intensificar a dramaticidade de certas cenas.
A fotografia é um detalhe à parte que torna o filme uma obra de arte em si. Há um cuidado imenso em mostrar a longa jornada de Gawain, as suas emoções e como ele se relaciona com os lugares que passa. A questão é que a jornada de Gawain é solitária e não sabemos se os seres que ele encontra no caminho são fruto de magia, da sua própria cabeça ou se realmente existem. Uma coisa é certa: cada personagem que serve de apoio para a narrativa é cativante.
As filmagens ocorreram todas na Irlanda e, um detalhe: no inverno. Isso enriquece o sentimento de solidão de Gawain mesmo quando ele está rodeado de pessoas. As plantações estão ressecadas e apenas um lugar destoa dos demais em termos de flora, ponto que não vou desenvolver muito para evitar spoiler. Se quer conhecer melhor os lugares, sugiro pesquisar por Cahir Castle (o castelo no início), Charleville Forest Castle (o castelo do rei) e Wicklow Park (campos na jornada de Gawain, região que também foi gravada a série Vikings).
Há uma nuance especial na escolha das pessoas que são parentes de Gawain: em meio a um núcleo caucasiano, o jovem se destaca por ser aparentemente diferente – o que parece ter sido usado para ressaltar apenas sua linhagem mágica . A história é separada em capítulos e permeada de metáforas que mostram como ele não está sozinho na sua caminhada e pode ser traído por suas lembranças ou por seus pensamentos a qualquer momento.
As atuações são outro detalhe muito importante: o Cavaleiro Verde (Ralph Ineson), o gentil dono de castelo (Joel Edgerton) e a sua a esposa (Alicia Vikander) estão sensacionais. Outros capítulos da história estão repletos de outros personagens curiosos – incluindo Erin Kellyman (Falcão e o Soldado Invernal) como Winifrida e Barry Keoghan (Eternos) como um mendigo à procura de um pouco de bondade – e em tudo há um senso de humor um pouco sombrio.
Um pequeno disclaimer é a cena de uma foto de divulgação que foi cortada do filme. Só clique se você não quiser ter esse spoiler.
É mais um excelente filme apresentado pela A24, com características de outros filmes que são repetidas aqui – numa fórmula que dá certo. Vale muito a pena conferir.
Um resumão da Lenda do Cavaleiro Verde:
(está com a letra branca, selecione daqui em diante para ler) Focando apenas em uma das versões da lenda, Gawain é sobrinho do Rei Arthur e tem a esperança de conquistar um lugar de honra na Távola Redonda. Numa festividade de Yule (o Natal cristão), um misterioso cavaleiro verde resolve entrar na brincadeira e propor um desafio: aos presentes ali na távola, ele deixaria que alguém lhe desferisse um golpe e quem tivesse coragem, seria agraciado com riquezas durante um ano, mas no próximo Yule deveria procurar o cavaleiro verde na capela verde e deixar que ele devolvesse o mesmo golpe que fosse desferido. Com o silêncio das pessoas, Gawain se oferece e decapita o cavaleiro. Ele passa um ano com fartura, riqueza e milhares de coisas boas, até que chegou a hora de honrar a promessa. Na jornada, Gawain passa por diversas situações que testam a sua palavra em cumpri-la e testam o caráter do cavaleiro. Uma delas (acredito que a mais engraçada) é quando o jovem se hospeda na casa de um rei e esse senhor, tendo gostado muito do cavaleiro, sai para caçar e o deixa sozinho em casa com a esposa, a rainha. A rainha se insinua sempre para Gawain, deixando-o desconfortável. Um dia o rei propõe que vai caçar a melhor coisa que encontrar e em troca, seu bondoso hóspede deverá dar a ele o q ele ganhar no castelo. Como a rainha fica de cima, ao final do dia ele recebe a caça e em troca, dá um beijo na boca do rei e isso se repete algumas vezes (geralmente na frente de várias pessoas, o que faz o rei se divertir muito com a sinceridade do jovem). O rei fica feliz com a sinceridade do rapaz e chega o dia de Gawain partir rumo à capela. Ao final, todos os desafios foram obra do próprio cavaleiro que, ao final do enfrentamento, ao concluir pela pureza e pelo caráter de Gawain, o poupa e deixa ele voltar para casa.
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