J. R. R. Tolkien, infelizmente, só conseguiu lançar duas grandes obras em vida: O Hobbit (1937) e O Senhor dos Anéis (1994-1995). Felizmente foi o bastante para mudar o mundo. Essas obras tornaram-se clássicos, mas são apenas uma parte do que a imaginação do professor gestava. Coube a seu filho, Christopher Tolkien, costurar e remendar textos antigos do pai, cortar e colar, e lançar O Silmarillon (1977) e Contos Inacabados (1980). Mais recentemente, ele lançou Os Filhos de Húrin (2007), Beren e Lúthien (2017) e A Queda de Gondolin (2018).
Mesmo estes livros não abrangem tudo que J. R. R. Tolkien escreveu sobre a mitologia que criou. O professor gastou décadas de sua vida cultivando um conjunto de histórias que iria cravar raízes profundas na imaginação de uma legião de pessoas. E essas histórias estavam em constante mudança. Tolkien as alterou por diversos motivos, que iam desde coerência com modificações posteriores até refletir mudanças profundas que aconteciam nas visões de vida e de mundo dele.
Christopher fez edições profundas para pegar um conjunto díspar de histórias do pai, separadas em décadas e até em temas, e criar algo não apenas com sentido, mas que passasse a sensação de unidade. Foi com certeza um trabalho gigantesco, que foi documentado em 12 volumes, lançados originalmente entre 1983 e 1996. Esta série, chamada A História da Terra-Média, vai finalmente chegar ao Brasil pela editora HarperCollins.
Os cinco primeiros volumes abrangem mais o conteúdo presente em O Silmarillion (e no apêndice que foi utilizado de base para a série Os Anéis do Poder). Os volumes VI a IX abrangem a história de O Senhor dos Anéis, os volumes X e XI abrangem o conteúdo mais tardio do Silmarillion e o volume 12 é focado nas pessoas do legendarium.
Para quem estes livros se destinam? Aos grandes fãs, aos acadêmicos e aos escritores, e à grande interseção de grandes fãs e acadêmicos e escritores. São livros péssimos para se presentear alguém que não conhece a obra do Tolkien, mas interessantíssimos para quem já gosta e se interessa a fundo, para quem quer ver como tudo foi criado. Tolkien muitas vezes escrevia com lápis e depois revisava com caneta por cima. Assim, é possível ver as edições e progressões no próprio texto. É possível ver como uma mudança aqui tem influência em lugares imprevistos. É possível ver as fundações do próprio gênero da fantasia como o conhecemos hoje sendo criadas. Como disse Terry Pratchett:
J. R. R. Tolkien se tornou uma espécie de montanha, aparecendo em todas as subsequentes obras de fantasias do mesmo modo que o Monte Fuji aparece, tão frequentemente, em pinturas japonesas. Às vezes está grande e próximo. Às vezes é uma forma no horizonte. Às vezes nem sequer está lá, o que significa que o artista ou tomou uma decisão deliberada contra a montanha, o que é interessante em si, ou na verdade está de pé sobre o Monte Fuji.
É importante que estes livros cheguem ao Brasil. Vivemos em uma época em que minorias, após muita luta, conseguiram mais direitos e representatividade que tinham algumas décadas atrás. Não é mais possível destilar preconceitos tão abertamente sem que a pessoa seja responsabilizada, social ou criminalmente. Assim, muitos que defendem tais preconceitos acabam encasulando-se dentro de obras como livros, séries e jogos antigos. E, muitas vezes, a pessoa sequer conhece o conteúdo, ela cria uma versão eugênica e preconceituosa na sua mente e decide que sua versão é a correta e pura. E, talvez por causa da falta de inteligência, essas pessoas costumam fazer muito barulho.
Os volumes de A História da Terra-Média permitem que a obra de Tolkien seja analisada em detalhes. Permitem ver o passado e o presente do texto. É claro que cada análise será diferente, porque pessoas são diferentes, mas uma coisa é uma análise embasada em conteúdo e reflexões, outra coisa é uma análise que ignora o conhecimento e abraça a ignorância. Um conteúdo profundo que antes estava restrito a quem entendia a língua inglesa agora estará disponível para um público muito maior.
Serão volumes em capa dura, seguindo o padrão de qualidade e preço da editora, com capas lindas criadas a partir de pinturas do John Howe (artista conceitual que trabalhou muito com Peter Jackson e, agora, está envolvido com Anéis do Poder). Pelo que vi Gabriel Oliva Brum será tradutor, e o Volume III terá cotradução do Reinaldo José Lopes (que tem retraduzido os livros do Tolkien lançados pela HarperCollins). Não sei se mais tradutores estão envolvidos, mas é provável. Quando houver informações mais precisas atualizo este texto.
A pré-venda começa dia 14 de outubro e o primeiro box, contendo os dois primeiros volumes (O Livro dos Contos Perdidos I & II) será lançado em novembro. O segundo box, contendo os volumes III a V, sairá depois. O lançamento será feito por boxes, quatro no total. Espero que os livros também possam ser comprados individualmente.
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